24 setembro, 2003

Na edição de 19 de Setembro do "Diário do Alentejo", Nicola di Nunzio escreve, em artigo de opinião, o que a seguir transcrevo.
O Nicola, que conheço há muitos anos, ama o Alentejo e tem uma especial devoção pela cidade que o adoptou. Habituado a andar com a câmara fotográfica a tiracolo, regista, com especial mestria, imagens maravilhosas do nosso mundo alentejano. Compreendo-lhe a angústia. Qualquer fotógrafo vai ter dificuldades em encontrar algo de apelativo na Praça que está a ser desenhada. Seria bom que também os fotógrafos passassem a integrar as equipas que transformam as nossas urbes.
Aqui vai o que diz di Nunzio:

Polis e o golpe mortal
2003-09-19 10:51:19
Temos agora uma Praça de carácter minimalista, sem alma nenhuma, vivendo no anonimato de tantas outras por essa Europa fora.

Como o matador na arena aponta a sua espada em direcção ao touro para lhe deferir o golpe mortal, assim o Programa Polis apontou as suas alterações para Beja para lhe dar um golpe. Com certeza este golpe não vai ser mortal mas vai provocar-lhe uma ferida muito profunda cuja cicatriz ficará para sempre marcada!
Quando o Presidente da República esteve em Beja, há pouco tempo foram vários os temas de conversa que ele abordou. Entre eles focou o tema do turismo e, com muita convicção, referiu que era necessário e muito importante investir no turismo. Achei que essa ideia se devia levar muito a sério visto em Beja não existirem indústrias e, atendendo ao facto de a paisagem que circunda a cidade ser de uma beleza quase única e o centro histórico oferecer pontos de relevante interesse (vários períodos da História), não seria difícil pensar em motivos de interesse para o turismo.
Mas de que forma se pode investir no turismo?
Infelizmente transformar as palavras em realidade não é assim tão fácil.
Por exemplo transformar uma casa de grande interesse patrimonial e cultural em turismo de habitação? A burocracia para levar avante um projecto deste tipo é de tal ordem que, a conseguir concluir-se, já terão passado muitos anos!
Então talvez não fosse a este género de investimento que o Presidente da República se referiu ... Talvez se referisse sim ao património histórico que esta cidade oferece, ou melhor, ofereceu! Eu pessoalmente, analisando os factos do ponto de vista de um estrangeiro (mas será que um turista não é também sempre um “estrangeiro”, seja português ou não?) considerei a Praça da República um ponto de alto valor turístico na cidade de Beja. O Pelourinho, com a sua base em mármore, no ponto mais central e mais elevado da cidade, a calçada portuguesa, ainda feita de maneira perfeita e profissional, que hoje já ninguém faz, e que facilmente deixava imaginar a sensibilidade e habilidade do artista, com um brasão lindíssimo a representar a história e a cultura deste País de uma forma única... Realmente onde se encontra ainda uma praça deste género?
Se o trânsito tinha de ser alterado podia certamente encontrar-se uma forma diferente, com mais sensibilidade e respeito pela cultura e história portuguesas. A solução de interligar o antigo com o moderno de uma maneira suave e mais sensível, aqui não foi feita.
Assim, com o Programa Polis, a Praça da República recebeu um golpe mortal e Beja uma ferida profunda, para sempre. Não havia com certeza uma necessidade tão imperiosa de destruir esta belíssima praça . Fazê-lo para tentar encontrar o Fórum romano seria uma explicação lógica mas também isso foi impedido. Surgiram vestígios arqueológicos mas mais importante foi avançar com as obras e realizá-las no tempo previsto do que oferecer à cidade uma atracção turística (talvez quase única na Europa). Temos agora uma Praça de carácter minimalista, sem alma nenhuma, vivendo no anonimato de tantas outras por essa Europa fora. Eu, que adorava passar naquele espaço, não posso aceitar este sacrilégio histórico e cultural.
A Praça antiga, ou um achado arqueológico davam com certeza mais esperança e um futuro mais próspero aos comerciantes daquele local!
No Largo de Santo Amaro também a base do chafariz foi retirada. O artista criou-o como um conjunto. O mesmo monumento, sem “pernas” não transmite de modo algum a emoção do que era antigamente . Mas como o golpe mortal foi dado noutro local desta cidade, estas feridas só fazem doer, já não matam...
Mais uma provável atracção turística que vai ser destruída são os cerca de 20 silos da época romana encontrados na Avenida Miguel Fernandes , no local onde vai ser construído um parque de estacionamento subterrâneo . E é aqui que “o gato morde a cauda”! Por um lado foram feitas alterações no sentido de afastar o trânsito do centro da cidade e simultaneamente tornar tudo mais apelativo para o turismo, e por outro lado vão ser destruídos vestígios históricos de grande interesse turístico para criar parques de estacionamento ! Beja já possui um parque do género... que está quase sempre vazio... Para quê então construir outro se ninguém o utiliza? Se fosse dada mais atenção à vontade das pessoas, como é suposto em democracia, deveria chegar-se à conclusão de que a maioria não quer a construção do referido parque .
Portanto, visto que tudo o que era atracção turística vai ser destruído, não consigo perceber a mensagem que o Presidente da República queria transmitir com as palavras “investir no turismo”. Talvez Beja queira transformar-se antes numa cidade industrializada em vez de uma cidade de turismo...
E o que ficará para os nossos filhos?


Nicola Di Nunzio


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